O fio ja foi substituido por uma solida parede; isto nas cidades e pontos mais frequentados, porque nas aldeias e nos banhos de todas as hospedarias ainda persiste a mesma innocente promiscuidade dos velhos tempos. Ainda ha poucas semanas um missionario inglez contava pela imprensa o seguinte caso divertido.
Achava-se elle, nao sei como, tomando o seu banho em certa hospedaria, modestamente recolhido a um canto do recinto; a distancia, uma familia japoneza deliciava-se em ablucoes, dando as costas ao reverendo; eis que, casualmente, o chefe de familia volta-se, fita o inglez, reconhece n'elle um amigo, seguindo-se as interminaveis cortezias proverbiaes; o japonez nao quer perder o ensejo de apresentar sua familia ao missionario, vindo entao cada qual por hierarchias, --primeiro a esposa, depois as filhas, depois as creancas, -prestar suas homenagens ao estrangeiro, na doce toilette de nymphas encharcadas, alvejantes de espuma de sabao.
Ha alguns dias, eu contava este caso, lido n'um jornal, a um amigo europeu; este, que acabava de chegar de Matzuyama, onde em servico official tora conferenciar com os presos russos, narrou-me por seu turno que na vespera, tomando o seu banho matinal, encontrara o recinto regorgitando de freguezes; dentro da tina, as damas cortezmente conchegavam-se entre si, faziam logar, acenando-me que entrasse,
Agora, chego à minha porta. Busco nas algibeiras a chave do cadeado protector, que
me garante das possíveis visitas dos ladrões. Encontro a chave; mas, cego pelas trevas,
maldisposto pelo desconsolo em que me sinto, pelos embrulhos que me pesam, pela
fadiga que me enerva, pela chuvinha que me molha, multiplico-me em tentativas,
prodigalizo-me em manejos, sem conseguir dar com o buraco do cadeado e abrir a
porta. Assim se passam uns minutos, que bem longos me pareceram e me iam levando
quase ao desespero. Então, de dentro da rama espessa da árvore única, um carvalho,
que se ergue robusto e vicejante mesmo à entrada do casebre, a luzinha azulada de um
pirilampo surdiu e começou a volutear cerca de mim; tão próximo das minhas mãos e
do cadeado, que me permitiu sem custo servir-me da chave eficazmente, podendo
penetrar em minha casa.
Abençoado insecto, que veio assim, na ampla curva do voo casual, tão gentilmente
beneficiar-me!... Casual? E porque não premeditado?... Ponho-me agora a divagar em
estranhas conjecturas. Nesta grande cidade de Tokushima, que conta cerca de setenta
mil habitantes, duas únicas criaturas, ninguém mais, duas mulheres indígenas, filhas do
povo, da mesma família, tia e sobrinha, OYoné e Ko-Haru, seriam capazes, se ainda
existissem, de se dar à incómoda tarefa de virem de longe, arrastando as sandálias
pela lama, lanterna de papel transparente suspensa dos deditos, para alumiarem o
meu caminho e facilitarem-me a operação de abrir a minha porta. Mas estas duas
criaturas já não podem vir aqui, jamais aqui virão; já não existem; morreram; morreu
primeiro a tia, depois a sobrinha, num intervalo de quatro anos. Vi-as eu, ambas,
jazerem frias, descoradas, sobre as colchas dos seus leitos, como hastes de plantas
mimosas, que duas rajadas de tempestade houvessem cortado cerce, brutalmente.
Não, já não podem vir aqui, jamais virão aqui. Quanto ao insecto, atribuir-lhe simples
intenções benévolas a meu respeito, seria disparate. No entretanto, aquele insecto...
Não são os Japoneses que crêem que os seus mortos podem voltar à Terra, encarnados
noutros corpos, uma ave por exemplo, um insecto por exemplo, embora conservando
reminiscências afectivas de suas existências anteriores?...
Após esta última interrogação, que o meu espírito a si próprio se fizera, senti não sei
que angústia pesar tão duramente, que me estacou de súbito as pulsações do coração.
Foi um momento apenas. Em seguida, mais sereno, não pude conter estas palavras:
“Será O-Yoné?... Será Ko-Haru?...” A frase soltou-se-me a meia-voz dos lábios trémulos,
ungida de amargura, e então, fitando o espaço negro, ainda distingui, longe porém, a
rutilância exígua do insecto, como uma estrela pequenina, que subisse, que subisse em
curvas serpentinas, até alcançar o firmamento!...
TESTEMUNHOS DA INFLUÊNCIA DA LÍNGUA
Palavras portuguesas e japonesas adoptadas por ambos os países.
(Armando Martins Janeira, O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa: seguido
de epílogo sobre as relações entre Portugal e o Japão do século XVII aos nossos dias,
BANZÉ - BANZAI
BIOMBO BYÔBO
BONZO BOZU
VIDRO BIDORO
SACANA SAKANA SAKANAYA PEIXE E PEIXEIRO
CANA E CATA CANA KANA KATAKANA
CATANA KATANA
Δεν υπάρχουν σχόλια:
Δημοσίευση σχολίου